Entenda a diferença de comportamento entre os botos da Amazônia e se eles são mesmo “implicantes”.
Mas o foco aqui não é sobre a lenda, e sim sobre o comportamento dos botos da Amazônia. Você sabia que existem mais de uma espécie nas águas da bacia amazônica?
Isso mesmo, existem dois tipos: o tucuxi e rosa ventralmente, com a sua cor acinzentada e o boto cor-de-rosa (ou boto-vermelho) que, como o próprio nome diz, possui a maior parte ou o corpo todo rosado. E apesar de serem “parentes”, eles possuem personalidades distintas.
Foto: CC BY-SA 4.0 / Nortondefeis
Para entender melhor sobre os golfinhos fluviais, o Portal Amazônia conversou com a pesquisadora no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Vera da Silva.
“O boto e o tucuxi são dois tipos de golfinhos de rio totalmente diferentes, com hábitos alimentares e de uso do ambiente bastante distintos. Existe uma sobreposição destes hábitos, mas de forma geral, os botos machos adultos tendem a ocupar mais os grandes rios e as suas fêmeas, canais menores, áreas de lagos e áreas mais protegidas. E o tucuxi, que é um golfinho bem menor do que o boto-vermelho, ocupa mais a calha dos rios e dos principais corpos d’água na região”,
explica.
A pesquisadora explica que os tucuxis são bem menores que os botos. O boto-vermelho, o macho adulto, pode alcançar 2,55 metros, enquanto que um tucuxi adulto nao ultrapassa 1,52 metros. Outro motivo que os diferencia, é a alimentação. Enquanto o tucuxi se alimenta de peixes menores e de cardumes, o boto-vermelho se alimenta de peixes bem maiores e muitas vezes de hábitos mais solitários e possui uma personalidade curiosa e bastante inteligente, o que facilita a sua alimentação e ainda acaba dando uma ‘dorzinha de cabeça’ para os pescadores.
“O boto é um animal extremamente curioso, ele se aproxima dos barcos e da borda do porto das casas. Sua área de vida é muito próxima às margens dos rios, que é onde existe maior abundância de peixes, que é o seu alimento. Então, ele ocupa estas regiões mais de margens de rio, até 150 metros da margem, local também preferido pelos pescadores para colocar a sua rede. Assim, o boto acabou ficando com a má fama de retirar os peixes da rede. Ele aprendeu que quando tem um peixe se batendo em uma rede, é sinal de alimento fácil e ele vai lá e rouba o pescado, como também muitas vezes, pode cortar e partir o peixe, no caso de ser um peixe maior, e acabar estragando o peixe para o pescador e até mesmo rasgar o apetrecho de pesca. Além disso, ocorrem casos em que o filhote se embola e morre afogado, e ainda acaba estragando a rede do pescador,”
explica a pesquisadora.
Os “galerosos” das águas?
Os botos são vistos como os brigões e arruaceiros das águas amazônicas. Em relatos de muitas pessoas pela internet, eles costumam “implicar” com visitantes, entretanto não é assim que isso ocorre.
Na verdade, o único comportamento “agressivo” que essas lendárias figuras apresentam, está na forma de brincar e interagir entre eles.
“Não é que o boto-vermelho seja mais agressivo ou ataque os humanos. O boto-vermelho é um animal que briga com outros machos da sua espécie. Os machos estão sempre brigando ou brincando de brigar; é uma espécie de brincadeira agressiva e uma forma de treinamento para quando eles competirem com outros machos pelo acesso à fêmea, no período reprodutivo. Então, os machos de boto-vermelho, apresentam esse comportamento aparentemente mais agressivo. Por outro lado, o tucuxi já tem outro comportamento reprodutivo e que não envolve brigas entre eles para ter acesso a fêmea, ele apresenta outra forma de estratégia reprodutiva. Mas, no caso do boto-vermelho, é diferente, ele briga fisicamente como que se exibindo para a fêmea que então escolhe aquele que ela considera o mais apto”,
explica Vera.
Os curiosos da Amazônia
Por conta disso, tantas histórias que contam sobre o comportamento dos botos é de que eles são verdadeiros “malvados” das águas amazônicas, com relatos sobre supostos ataques de botos a canoas, batendo em embarcações com a finalidade de virá-las, arrancando remos das mãos dos canoeiros.
Mas fique tranquilo. Os botos não atacam ou são os vilões das águas na Amazônia. De acordo com a pesquisadora, eles não possuem o comportamento de atacar seres humanos.
“O boto ficou com essa má fama de tentar afundar canoas, de segurar o remo, ou de que ele agarra a quilha das canoas, além das lendas que existem sobre ele. Mas isso é apenas resultado da sua curiosidade. O boto se aproxima das embarcações e também utiliza no seu comportamento, de um modo geral, objetos que encontra no rio como galhos, tufos de capim e até pequenos animais aquáticos. Ele também utiliza objetos que os humanos usam nas suas atividades. Então, como as águas são muito turvas e não podemos enxergar o que acontece embaixo d’água, o boto pode nadar bastante discreto e muitas vezes, quando vai para superfície respirar ou quando se aproxima bruscamente de uma canoa, ele assusta as pessoas. A gente sabe que muitas vezes no interior, as pessoas vão para suas roças e voltam com as canoas muito cheias transportando seus produtos como a mandioca, lenha e alguma outra coisa que tenham colhido na sua roça, além do cachorro que o acompanha, a criança ou mesmo os adultos na canoa que acaba ficando sobrecarregada. Então, com o banzeiro do rio e o que o próprio boto faz, muitas vezes pulando em volta da canoa, ele pode acabar, às vezes, alagando a canoa”, conta Vera.
É importante ressaltar que, no caso do tucuxi, ele raramente se aproxima das embarcações grandes e principalmente de embarcações pequenas fazendo que muitos o considerem o bonzinho.
“O tucuxi não tem esse hábito de segurar objetos que estão boiando no rio, então ele já não tem a mesma interação que o boto-vermelho tem. Raramente vai nas redes para retirar os peixes, principalmente porque as redes são colocadas na sua maioria próximo às margens, ou dentro do igapó, que são áreas que o tucuxi não costuma frequentar. Então, como ele é menorzinho, mais gracioso e salta fora da água, ele encanta quem ver esse comportamento” afirma.
A pesquisadora deixa ainda um recado:
“Os golfinhos fluviais tem um papel ecológico muito importante nas águas Amazônicas. Vamos protegê-los e manter esse símbolo Amazônico vivo”.
Vera da Silva.
Fonte: Portal Amazônia.