Já ouviu falar de humanização de pets? Parte 1

Já ouviu falar de humanização de pets? Parte 1

Em maio de 1991, o Brasil era governado por Fernando Collor de Mello e o
ministro do Trabalho à época era Antônio Rogério Magri. Bem, o que isso tem a ver
com cachorros e outros pets?
Eu sempre amei política, nunca me esqueci do “imexível”*, adjetivo inventado
pelo ministro, além de toda situação que redundou no impeachment de Collor, que
ficou eternizado para os jovens quarentões, como eu, que viveram os caras-pintadas.
Enfim, naquele maio de 1991, o Magri usou um carro oficial para levar sua cachorra
Orca para o médico veterinário, pois ela estava doente. Quando indagado pelos
repórteres sobre o episódio, ele respondeu o seguinte: A cachorra é um ser humano,
e eu não hesitei.

Fonte: Acervo digital globo: https://acervo.oglobo.globo.com/frases/a-cachorra-um-ser-humano-
como-qualquer-outro-22319515
Essa declaração do ministro foi motivo de várias críticas e deboches, por parte
da imprensa e das pessoas. Para além da questão moral que o fato envolve, o
principal é que essa frase talvez não esteja tão errada assim, correto? Bom, piadas à
parte, a ideia de encarar um cachorro como humano, nunca esteve tão destacada
como hoje em dia.
Há todo um universo mercadológico que nos faz pensar nisso, além das
reflexões e atitudes das pessoas sobre seus pets que mudaram bastante. Hoje, os
pets são muito mais próximos de nós. Há também uma discussão em voga que é
sobre a antropomorfização de animais. De uma forma simplificada, a
antropomorfização implica em assemelhar nossos pets a características
individualizadas, tais como atribuir adjetivos a eles (ele é pirracento, teimoso,
carinhoso etc.), e trazer para essa relação de tutor e pet situações que nos remetem
às relações que mantemos com outros seres humanos.
Décadas atrás – refiro-me à minha infância e isso já faz tempo, 30, 40 anos –
os cães viviam no quintal, não havia tanta preocupação com a alimentação e rações
especiais, nem mesmo com vacinas, a não ser contra a raiva. Atualmente, os cães
vivem em espaços menores, geralmente dentro de casa com seus donos. Cuidamos

melhor da saúde e do bem-estar deles. O cão, então, deixou de ser uma parte da
casa, para ser um membro da família.
Dessa forma, os nossos pets cada vez mais se assemelham a nós. Ser
“humano”, ou seja, atribuir a um ente esse adjetivo, é algo mais profundo e até mais
filosófico. É uma denominação relativamente nova, por assim dizer, até para a própria
humanidade.
A nossa forma de pensar, especialmente no mundo ocidental, é pautada em
dualidades: bem e mal, homem e natureza, sagrado e profano, humano e animal… E
por que isso nos importa aqui? Porque quando nos debruçamos sobre a forma como
foi construído o pensamento ocidental, vemos que há séculos vivemos essas
dicotomias em nossas vidas.
Ou seja, aprendemos desde cedo, independentemente de estudo formal ou de
conhecimento, que uma coisa sou eu, Bianca, e outra coisa é minha cachorra, Panda.
Não somos iguais! E mais: somos diferentes e inevitavelmente nossa forma de ver o
mundo nos leva a concluir que eu, Bianca, tenho ciência de quem sou, falo, penso e
represento, enquanto minha cachorra é apenas uma cachorra que, provavelmente,
entende o mundo diferente de mim. Ela tem vida, mas não PENSA como nós humanos
pensamos. Será que isso é tão limitado assim?
E aí eu fico pensando: como explicar quando cães e outros animais têm
comportamentos que não conseguimos entender?
Certa vez, uma adestradora me contou o caso de uma cachorra de serviço que
vivia com uma menina com limitações físicas e motoras. Cães de serviço são
treinados para não errarem e a cachorra acompanhava a sua tutora, que era uma
menina, para todos os lugares, com o objetivo de ajuda-la nas tarefas do dia a dia.
Mas na hora de dormir, a menina se deitava na cama e a cadela no chão do quarto, ou
seja, cada uma no seu quadrado.
A menina tinha crises de choro todos os dias. Um dia qualquer, os pais
chegaram ao quarto e a cachorra estava com a menina em cima da cama, o que
acalmou a garota, que nunca mais chorou durante a noite para espanto das pessoas.
A cachorra foi treinada para não subir em camas e não o contrário. O porquê dessa
cachorra ter pensado em subir na cama, para acalmar a garota, ninguém explica.
Como ela intuiu isso? Como entendeu que isso poderia acalma-la?
Vale a pena levantar aqui a hipótese de que talvez o cão tenha se incomodado
com o choro, e, ao subir na cama e acalmar a criança, acabou sendo reforçado,
eliminando algo aversivo como o choro, e por isso tenha mantido o comportamento, o
que acabou resolvendo uma situação tensa para toda a família da garota.
Não tenho essa resposta. Porém, uma história como essa é surpreendente e a
única coisa que me ocorre é que devo aumentar meu respeito pelos animais, pois são
capazes de ações que estão muito além do que conheço.
Por enquanto, é isso! Não perca a segunda parte da reflexão sobre
humanização de pets!
Abraço,

Bianca Souza.
Profissional de adestramento positivo comportamentalista

Notas:
*Só para esclarecimento, o citado ministro usou esse neologismo, para justificar que o salário do
trabalhador brasileiro não seria alterado em suas políticas públicas, em uma época de crise econômica e
inflação, e essa palavra inventada – para dizer que os salários não seriam afetados – gerou muitas piadas
e críticas na imprensa e meios de comunicação

Bianca Souza

Socióloga, Msc. Antropologia, Dra. História Social (PUC), Dra. em Ciências da Informação (CI / UNESP) e Pós Doc. CI (UFF) e Pós Doc. Museologia (USP), Profissional em adestramento, comportamento animal e relação humanos e Pets, escritora e editora de mídia digital sobre adestramento comportamentalista.