Quando a tele consulta veterinária não é suficiente.
A interação entre médico-veterinário, cliente e paciente nas consultas presenciais garante o imprescindível vínculo de confiança.
A utilização da telemedicina veterinária teve início em julho deste ano, após a publicação pelo CFMV da resolução 1465/22, fomentada com mais veemência durante a pandemia do coronavírus, e essa tecnologia vem se espalhando, ainda morosamente e com muitas, muitas dúvidas. Tanto médicos-veterinários como clientes/tutores devem estar se perguntando se este é o início de um novo tipo de interação entre eles, capaz de transformar totalmente nosso sistema de assistência veterinária para pequenos animais.
Não sou cético da tecnologia: apoio a tecnologia da informação na saúde veterinária e saúde única. As novas tecnologias podem trazer enormes benefícios para pacientes seus responsáveis e claro, ao médico-veterinário. Há alguns anos, os médicos-veterinárias e empresas veterinárias começaram a adotar os registros eletrônicos, aparelhos de monitoramento, aparelhos para exames complexos, exames básicos, em internação, UTI, centros cirúrgicos em suas rotinas. Aliás, o atendimento médico-veterinário virtual seria muito menos valioso se não fossem tais registros e equipamentos, que permitem aos veterinários acesso remoto ao histórico e aos pacientes.
Como clínico geral sei que a relação de confiança que se estabelece entre veterinários e clientes/tutores pode ser benéfica, tanto na oferta de tratamento quanto no recebimento. E que a confiança — graças à qual clientes/tutores ansiosos voltam a dormir à noite e clientes/tutores inexperientes mantêm a calma quando o pet está doente — se desenvolve mais rápido e mais intensamente por meio das relações pessoais.
Veterinários bem treinados utilizam todos os seus sentidos — não apenas a audição e a visão. O que o cliente/tutor geralmente não percebe, e não é motivo de suas queixas, constitui o fator mais importante: o veterinário avalia o pet como um todo, passou a claudicar, mudou a postura, está pálido, prurido, alguma lesão, comportamento? E não há exame mais custo eficiente que a palpação manual. Em exames de rotina descobri inúmeros casos de câncer tratáveis que seriam impossíveis de detectar no mundo virtual. Numa consulta “zás-trás” seria possível detectar um linfonodo duro, um baço ou um fígado inflamado? Ou um nódulo inesperado na mama?
Consultas presenciais em que predominam os vínculos de confiança entre ambas as partes são ainda mais importantes para pacientes com problemas complexos e inter-relacionados. Muitos pets são debilitados, frágeis, não raro portadoras de várias doenças — diabetes, problemas cardíacos, hipertensão, artrite, síndrome da disfunção cognitiva — interligadas e já difíceis de tratar nas melhores condições presenciais, que dirá através de uma tela. Porém, opções como esta, que muitas vezes requerem espera e análise, só são possíveis em clima de familiaridade e segurança mútua.
Há momentos e lugares em que o atendimento virtual é apropriado. Durante uma pandemia, quando o contato pessoal precisa ser limitado, ele é crucial para manter veterinários, clientes/tutores e pacientes conectados. E em áreas remotas do Brasil onde não há outra forma de atendimento, a telemedicina veterinária pode ser um salva-vidas.
Em muitos casos ainda a assistência médica provida pelas conexões virtuais é excelente, além de mais conveniente e barata que o atendimento presencial, como monitoramento de sinais vitais, sintomas respiratórios leves e outras rotinas. Também para algumas doenças crônicas, acompanhamento nutricional, tele interconsulta (de suma importância para levar os melhores especialistas a locais onde não iriam) e de acompanhamento de tratamento o atendimento virtual é uma boa opção. E vale lembrar que é mais indicado ainda, para animais jovens sadios que para idosos e doentes.
As tecnologias de monitoramento remoto de certos parâmetros — batimentos cardíacos, glicemia, peso, taxa respiratória — são úteis não só aos pacientes por lhes possibilitar melhor controle de suas doenças crônicas, como também aos veterinários nos diagnósticos e tratamentos. É um novo mundo de possibilidades que se abrem graças a esses benefícios e à inteligência artificial.
Os últimos meses proporcionaram um estudo intensivo de telemedicina tanto aos médicos-veterinários como aos clientes/tutores, e essa exposição, sem dúvida, dará melhores condições de utilizar essa tecnologia que avançará a passos largos. Mas o teleatendimento veterinário será melhor quando estiver adaptado ao ambiente veterinário, nunca esquecendo a relação veterinário-paciente-cliente e suas necessidades — e não o inverso. Sem dúvida nenhuma é mais uma ferramenta baseada no futuro e na evolução da tecnologia.
Marcio Mota.