Resgatado em 2022, filhote inicia reabilitação para voltar à Amazônia.
Na época do resgate, Xamã tinha cerca de dois meses de idade e foi encontrado sozinho, sem sua mãe, em uma propriedade particular próxima a uma área impactada pelas queimadas. A suspeita é que ele tenha se separado de sua mãe ao fugir do incêndio.
O filhote também estava bastante assustado quando foi encontrado e apresentava um estado geral de desnutrição e desidratação. As autoridades foram comunicadas e Xamã foi capturado no mesmo dia e levado ao Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hospital Veterinário (Hovet) da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Depois de cinco meses em recuperação e espera no Hovet, Xamã foi transferido e chegou, na última sexta-feira (20), ao recinto de reabilitação no estado do Pará.
Ele permanecerá ali, usufruindo de um espaço de 15 mil m², por até dois anos, e receberá apoio no aprendizado dos comportamentos básicos da espécie, como caça e defesa, os quais não teve oportunidade de receber da mãe. Quando atingir a maturidade e estiver apto para a reintrodução na natureza, será liberado em uma área adequada e segura para voltar a viver uma vida selvagem.
Ao completar esse processo, Xamã será o primeiro macho da espécie no país a ter sido resgatado e reintroduzido com sucesso na Amazônia.
“Xamã é mais uma vítima de uma marcha que está pulverizando as florestas brasileiras e, junto com elas, nossa vida silvestre diversa e seus habitats. Esse animal, símbolo da nossa fauna, foi separado da família depois de um incêndio florestal. Teve a vida transformada para que as pessoas em todo o mundo possam comer carne em quantidades crescentes e pelo menor preço possível”, diz David Maziteli, Gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial.
“Empreender todos os esforços possíveis para tratar, reabilitar e devolver o Xamã ao seu ambiente de origem, onde ele poderá desempenhar na plenitude os seus comportamentos naturais, é tanto uma questão de responsabilidade coletiva quanto um ato de resistência contra o sistema alimentar e econômico insustentável que ameaça a existência de animais silvestres e humanos igualmente”, complementa Maziteli.
Juntos, estamos mudando a vida dos animais
Todo esse projeto – do resgate à reintrodução de Xamã – está sendo empreendido por um conjunto de parceiros públicos e do terceiro setor. O processo de resgate, tratamento e guarda do animal até aqui esteve a cargo da equipe do Hovet/Setor de Atendimento de Animais Silvestres/UFMT, com acompanhamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT).
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), atuaram na supervisão técnica e na gestão administrativa como autoridades públicas.
Nós, da Proteção Animal Mundial, atuamos como patrocinadores e consultores do projeto, tendo acompanhado localmente em Sinop a fase de recuperação do filhote em colaboração com o Instituto Ecótono (IEco).
O Onçafari, entidade especialista em reintrodução de felinos no país, foi envolvido para viabilizar a reintrodução e assume a partir de agora, também aportando recursos, como parceiro no manejo de Xamã até a sua soltura e posterior monitoramento remoto na natureza.
“O que difere o Xamã do caso de outras onças-pintadas que nós recebemos e tratamos ao longo do tempo foi a concretização dessas parcerias, no momento e da maneira pela qual isso aconteceu”, conta a médica veterinária Elaine Dione Venêga da Conceição, professora da UFMT e responsável pelo Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hovet.
“Os parceiros realmente fizeram a diferença ao reconhecer a importância do animal, a condição dele e a possibilidade de sucesso para reabilitação e soltura. Para além do suporte financeiro, que é sim fundamental, a presença, o acompanhamento, a troca de ideias trouxeram segurança e amparo para a equipe. A grande lição de todo esse processo é que proteção animal e conservação ambiental não se faz de forma solitária: é algo que se faz de mãos dadas”, acrescenta a médica veterinária.
Protegendo os silvestres
A experiência inédita de reintrodução de Xamã na Amazônia deve gerar conhecimentos científicos para a conservação de onças-pintadas em liberdade no bioma, e no país em geral, ajudando a enfrentar pressões de desmatamento e incêndios florestais impulsionados pela expansão agropecuária, o avanço desordenado da urbanização, além de atividades ilegais de mineração, caça e tráfico de vida silvestre.
O Brasil é considerado um país chave para a conservação da espécie, uma vez que ainda concentra as maiores populações de onças-pintadas do mundo. Por possuir a área mais extensa de habitat adequado e não-fragmentado para este felino, a Amazônia é o território mais importante para a conservação da onça-pintada em longo prazo.
Entre outros aspectos, a presença das onças-pintadas, por sua vez, é estratégica para a preservação ambiental porque estes animais são muito sensíveis a perturbações ambientais e, por isso, são úteis no monitoramento da qualidade do habitat (espécie bioindicadora).
O futuro de Xamã
Mantendo o protocolo de bem-estar, a partir de agora Xamã está sendo assistido permanentemente por uma equipe biólogos para ganhar os comportamentos básicos de sua espécie, como caça e defesa.
Ele será estimulado a realizar o que teria aprendido com sua mãe até por volta de 17 meses de idade. Terá todo o recinto de floresta amazônica nativa densa e rica exclusivamente para ele. No dia a dia, o contato com humanos será mínimo e ele terá as movimentações essencialmente acompanhadas por câmeras.
Depois de um período inicial de sumiço, o primeiro registro de Xamã em seu novo lar foi capturado por uma câmera remota na manhã da última quarta-feira, 25 de janeiro. Ele se alimenta normalmente e tem explorado ativamente a nova casa.
Quando tiver atingido a maturidade e alcançado a autonomia para viver novamente na floresta e exercer seu papel ecológico, inclusive como macho saudável e fértil, podendo contribuir para o aumento populacional da espécie, será solto, mas seguirá ainda sob monitoramento remoto por algum tempo.
Esse acompanhamento acontecerá por meio de um rádio colar que permitirá aos especialistas monitorarem remotamente, por pelo menos um ano, aspectos como a sua movimentação, a atividade de delimitação de espaço e a marcação de território.
“Eu costumo dizer que a gente só faz uma parte do trabalho, o animal é que faz todo o resto”, diz Leonardo Sartorello, biólogo coordenador do Programa de Reintrodução do Onçafari e supervisor do projeto envolvendo Xamã a partir de agora.
“Nós avaliamos o animal, juntamente com professora Elaine, e o comportamento inicial dele foi excelente! Ele é um animal arredio mesmo, e isso é muito bom, porque sei que no futuro não irá se aproximar de nenhuma propriedade e de nenhuma pessoa. Ele não tem medo de pessoas, mas respeito. Isso é bom para ele, uma vez que significa que irá se virar bem sozinho. Aprendendo a executar os comportamentos da espécie e a disputar o território dele, o ser humano não será um problema”, comenta Sartorello.
Sobre o pioneirismo do projeto, o biólogo avalia: “O Xamã representa um desafio, pois será o primeiro macho reintroduzido na Amazônia, com todo treinamento e o monitoramento adequado para avaliarmos o sucesso do processo. Outras tentativas já foram feitas, mas não com essa abordagem desenvolvida com sucesso ao longo dos anos, e isso pode ser um grande divisor de águas para a conservação da espécie”.
Durante todo esse processo, Xamã gerará dados que indicarão a sua adaptação e que irão ajudar na reabilitação futura de outros machos da espécie, amparando, inclusive, decisões para políticas públicas.
Fonte: Proteção Animal Mundial.