Já ouviu falar de humanização de pets? Parte 2.
Eu começo essa parte falando da foto do meu labrador, Balú, que ilustrou a parte 1 do artigo. Ele nunca usou chupeta, mas com bebê em casa, sabe como é, não é? Sempre fica alguma coisa no chão e o filhote não vacila em pegar para brincar. Isso foi em 2019, quando ele chegou para minha família. E mesmo para mim, que lido com cães diariamente, meu cachorro não deixava de ser um bebezão!
Eu dei aulas para um cachorrinho de um ano, da raça Spitz alemão; sua família tinha aumentado e quando cheguei havia um bebê de três meses. Uma das preocupações era que o cão se adaptasse ao bebê. É de se imaginar que, com o menininho crescendo e vendo um bicho peludo e fofíssimo como um Spitz, o bebê iria puxar ou pegar nos pelos, certo? Então, foi o que aconteceu mesmo.
E quando o pequenino puxava os pelos, o medo era que o cão reagisse e o mordesse. Porém, surpreendendo a todos, o que o cãozinho fazia era, quando ocorriam os puxões, ele pegava os seus pelos acima da mãozinha e puxava-os com a boca, para retirar da mão do bebê, sem ter que morde-lo. Eu confesso que quase chorei quando vi a cena. Um bebê deitado no chão, brincando, e o cachorrinho junto, retirando os pelos da mãozinha tão gordinha…era muita fofura!
Há mais de 15 ou 20 anos, eu me recordo de uma matéria na televisão local da cidade onde eu morava no sudoeste paulista. Era a história de um homem que criava um urubu. Quando filhote, ele caiu e o homem encontrou o filhotinho amarelinho, e levou-o para casa. O nome dado à criaturinha foi Loira. Só que a Loira cresceu… e se tornou um urubu enorme: criou asas e tinha vontade própria. Mas ela nunca abandonou o companheiro. Ela voava, fazia seus passeios, e voltava para casa, todos os dias, onde era alimentada com carne crua, e não comia carniça, para espanto de todos.
São incontáveis as histórias – e lendas – do mundo animal que falam de atitudes ao menos estranhas entre os bichos. Os elefantes, por exemplo. Houve um estudo que observou como eles lidam com os mortos: cheiram, emitem sons estranhos e tentam levantar o elefante morto*. A capacidade dos corvos de construírem ferramentas. A inteligência de baleias, golfinhos, porcos…o que não falta na internet é material sobre animais incríveis que nos surpreendem.
Outra história está em um artigo científico, no qual o autor conta traz resultados de sua pesquisa junto aos boiadeiros e peões do Pantanal. O objetivo principal é tratar da relação entre homens e as onças da região. Seus entrevistados caçavam onças e, atualmente, tornaram-se colaboradores da preservação da espécie. A onça é uma ameaça real aos rebanhos de gado e, ao longo do artigo, o autor nos mostra a mudança de postura quanto a esse animal – hoje protegido por seus interlocutores. Além dessa discussão, ele traz um exemplo intrigante sobre como esses pantaneiros treinavam cães que os ajudavam no manejo dos rebanhos.
E é claro que não tinha treino específico: o que faziam era direcionar o filhote para acompanhar o cão mais experiente, chamado de mestre. No artigo, o autor indaga a um entrevistado qual foi o melhor cão que o boiadeiro já tinha visto. O boiadeiro contou o caso de um cão chamado Baixote, que tinha vindo de um apartamento em São Paulo. “Como assim?”, pergunta o autor, claramente perplexo. Ou seja, era um cão urbano que simplesmente desbancava qualquer outro pantaneiro para encontrar uma onça**.
Charles Darwin, naturalista britânico, publicou em 1859 o livro “A teoria das espécies”. A obra foi fruto de uma viagem que fez à América do Sul, quando ainda era um estudante universitário. Quando Darwin esteve em Galápagos, ilha do Oceano Pacífico, viu uma espécie de tartaruga que era diferente de todas as outras conhecidas. Com isso, Darwin chegou à conclusão de que as espécies, para sobreviverem nos meios onde vivem, precisam se adaptar por uma questão mesmo de vida ou morte: ou se adaptam ao que o meio lhes exige, ou desaparecem.
A teoria das espécies não trata, então, dos mais fortes, e sim dos mais adaptados: sobre indivíduos de cada espécie que desenvolvem a habilidade de se transformarem para sobreviverem às agruras da vida***. E não foi essa adaptação que a urubu Loira e a cachorrinha de serviço fizeram? E o que dizer do Spitz que puxa os pelos com a boca? Como puderam demonstrar comportamentos tão diversos dos esperados em animais, que são tidos como irracionais?
O triste é que a teoria darwiniana acabou reforçando, sem querer, a ideia de que o ser humano é o mais forte dentre outros animais, pela sua capacidade de adaptação e de mudar o mundo à sua volta. Acabou consolidando aquela dualidade entre homem e animal, sendo o homem interpretado como a espécie mais bem adaptada ao mundo, dominadora das outras espécies e de todo o planeta.
De qualquer forma, o ser humano é o animal mais bem adaptado realmente, o que não o torna, contudo, um detentor único de atividades como pensar, sentir, compreender ao mundo ao redor. Os animais demonstram cada vez mais sensibilidade ao mundo que os rodeia; talvez pelas mudanças que a humanidade promoveu e promove no mundo natural. Ou talvez estejamos mais atentos e interessados em saber as diferenças e, principalmente, as semelhanças de outras espécies com a nossa.
Ao final, pessoal, seguirá a parte 3; o assunto é amplo e vale uma discussão que possa trazer ao leitor uma compreensão ampla sobre humanização de pets.
Até mais!
Bianca Souza.
Profissional de adestramento positivo comportamentalista
Notas:
*Vide artigo do Correio Braziliense para saber mais: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2024/03/6811678-elefantes-asiaticos-enterram-filhotes-mortos-e-choram-segundo-pesquisa.html. Acesso em maio/2024.
** O autor do artigo é Felipe Sussekind: “Onças e humanos em regimes de ecologia compartilhada”. Link para acesso ao artigo: https://www.scielo.br/j/ha/a/b3w8d6Kp3t9PHkLN6V8tDbG/?format=pdf&lang=pt. Acesso em maio/2024.
*** Saiba mais sobre Charles Darwin e a teoria das espécies nesse link: https://www.bbc.com/portuguese/geral-50525124