Você sabe como os cães aprendem? – parte 1

Você sabe como os cães aprendem? – parte 1

 

Quando falamos de adestramento, a primeira questão a ser feita é como os animais
podem aprender algo que desejamos que eles façam. Pois é sabendo como eles aprendem
que pensamos em técnicas e treinos para eles. Teóricos de diferentes áreas do conhecimento,
interessados em compreender a conexão existente entre a mente e as ações de um animal,
desenvolveram teorias e experimentos, buscando entender como nós e outras espécies somos
capazes de aprender algo novo e operar o mundo à nossa volta.
Como e por que nos comportamos de uma determinada maneira, o que acontece
quando agimos assim ou assado, quais os resultados disso: são problemas que merecem
nossa atenção. Imagine que quero te ensinar princípios da cirurgia cerebral, ou uma teoria
metafísica ou astrofísica. Começo, por exemplo, falando em outro idioma completamente
estranho ao ouvinte (japonês, russo, ou uma língua morta, como latim) e começo a mostrar
uma série de dados complexos, difíceis e, como eu parto do princípio de que meu aluno está
entendendo tudo, eu ainda aplico uma prova para ser feita no idioma que usei e sobre o
conteúdo ensinado. Faz sentido esse tipo de relação entre professor e aluno?
Trata-se de uma situação insólita do ponto de vista do aluno, ao passo que o professor,
neste caso, está convencido de que o educando está plenamente preparado para aprender
dentro dos termos que lhe foram impostos, ou seja, o educador espera que o aprendiz saiba,
de antemão, algo que nunca lhe ensinaram. É essa a relação que geralmente se estabelece
entre tutor e cães. Acreditamos que muito do que falamos é entendido por eles, certo?
Para elucidar esse dilema, preciso falar sobre comportamento animal, explicando os
tipos de condicionamentos e como eles agem no processo de construção de um novo
comportamento. Condicionar significa sugestionar, persuadir e, do ponto de vista psicológico, é
associar um estímulo a uma reação, por meio da repetição.
Ivan Pavlov1, fisiologista russo, desenvolveu um conceito importante denominado
condicionamento clássico: o ambiente no qual um animal está inserido, opera, influencia e
afeta seu comportamento. Isso gera uma resposta fisiológica involuntária.
Um cão responde de determinada maneira diante de algum estímulo/situação que o
ambiente lhe oferece: estar com sono e procurar um lugar sossegado em nossa casa para
dormir, por exemplo. O sono é uma necessidade fisiológica. Sendo assim, para que consiga
dormir bem, o cão vai procurar no ambiente a melhor alternativa para suprir essa condição
natural e, comumente, percebemos que, ao longo dos anos, nossos amigos dormem e tiram
cochilos nos mesmos lugares.
Quando o cachorro faz essas escolhas, elas se repetem incontáveis vezes, o que faz
parecer que o cão já chegou sabendo onde iria dormir. Tal escolha – pelo local ideal para dormir
– é algo aprendido; o ambiente opera sobre o cão. Isso quer dizer que, tendo algumas
possibilidades de espaços para dormir (definidas pelos limites dos cômodos de uma casa) e
caso não ensinemos onde gostaríamos que ficassem, ele vai buscar aquele que lhe parecer
mais agradável e tranquilo. Ele percebe e experimenta nossa casa e sabe quais são os lugares
mais calmos e confortáveis para seu descanso.
Outro exemplo: um animal com fome, vendo algum alimento que esteja disponível,
começa a salivar e vai tentar, de toda forma, conseguir essa refeição. Foi justamente com esse
exemplo que Pavlov desenvolveu sua pesquisa no século XIX. Num primeiro exercício, o
pesquisador apresentava aos cães um estímulo neutro (ou seja, sem nenhuma conexão
anterior com os hábitos do cão), tocando um sino e familiarizando-os ao toque, repetidas
vezes. Isso não gerava nenhuma reação fisiológica neles.
No segundo exercício era apresentada comida e o toque do sino ao mesmo tempo.
Como resposta incondicionada, os cães começaram a salivar ao verem a comida. E aqui
acontece o condicionamento clássico, isto é, ao verem o alimento, os animais salivavam
naturalmente (resposta involuntária do organismo) e, neste momento da pesquisa, esse salivar
era condicionado paralelamente ao toque do sino.
O terceiro passo foi tocar o sino sem a oferta do alimento. O que Pavlov observou –
após muitas e muitas repetições desses exercícios –  foi que ao ouvir  o som do sino os cães já
começavam a salivar, pois foram condicionados a entender que o toque do sino seria
concomitante ao ato de se alimentarem (OLIVEIRA; CASTRO; CANOVA, 2020)2.
Junto ao trabalho de Pavlov soma-se a pesquisa desenvolvida por Skinner sobre
condicionamento operante. Burrhus Frederic Skinner2 , psicólogo experimental, foi quem
desenvolveu pesquisas sobre esse conceito que, diversamente do condicionamento clássico –
no qual o ambiente age sobre o indivíduo – é o indivíduo, o animal quem opera o ambiente.

Nesse caso, por exemplo, um cão age de determinada forma, esperando alguma
resposta do ambiente ou de quem nele estiver presente. Um exemplo simples: meus cães são
adestrados continuamente e sempre se sentam para receber as refeições. Então, é muito
comum quando estou na cozinha de casa, um deles vir e se sentar ou se deitar do meu lado. O
que eles estão tentando é operar o ambiente e eu sou parte dele: eles aprenderam que, ao se
sentarem ou se deitarem, tinham recompensa alimentar e repetem isso várias vezes, mesmo
que eu não peça um comando, simplesmente na expectativa de me fazer dar comida a eles.
Skinner, em seus experimentos, criou uma caixa, que ficou amplamente conhecida
como a “caixa de Skinner”. A área da Psicologia Comportamental3 (também denominada
Behaviorismo4) contribuiu e contribui com estudos importantes sobre o aprendizado dos cães.
Em resumo, o condicionamento operante trabalha a nosso favor, no sentido de que o cão tenha
um comportamento diverso daquele que queremos mudar.
Quando treino um cachorro que costuma pular nos tutores e nas pessoas quando
chegam em casa, eu começo explicando aos donos a necessidade de ter uma interação
tranquila com o cão, evitando pulos, não interagindo quando ele pular etc. Mas além de
orientações, eu posso ensinar ao cão que, em vez de pular, ele pode se sentar para interagir
comigo. Dessa forma, eu condiciono o cão a ter um resultado positivo e desejado por ele: em
vez de broncas ou de ser ignorado, ao se sentar, ele recebe o que deseja, petisco, carinho e
atenção.

Na foto acima, estou de frente para meu cão, o Balú, e desejo que ele se sente.
Quando ele atinge o resultado, eu o reforço com ração, uso o reforço positivo (foto: acervo
pessoal). O Balú opera, age, se senta, fazendo aquilo que desejo que faça, e que treinei
bastante com ele antes. No próximo artigo, trarei a explicação da segunda parte sobre como os
cães aprendem!
Até mais!
Bianca

NOTAS:
1https://pt.wikipedia.org/wiki/Ivan_Pavlov
2 https://www.scielo.br/j/ptp/a/zzCfKBmbTxTwXW5ZVwdYW8v/?lang=pt#
3 https://iprcbrasil.com.br/psicologia-comportamental/

4 https://www.ufrgs.br/psicoeduc/behaviorismo/sobre-o-behaviorismo/

Bianca Souza.

Bianca Souza

Socióloga, Msc. Antropologia, Dra. História Social (PUC), Dra. em Ciências da Informação (CI / UNESP) e Pós Doc. CI (UFF) e Pós Doc. Museologia (USP), Profissional em adestramento, comportamento animal e relação humanos e Pets, escritora e editora de mídia digital sobre adestramento comportamentalista.