Brasil é o único líder que contribui para atender crescimento da demanda global de carne bovina.
A população mundial aumentou mais de quatro vezes durante o século 20 e, segundo previsões da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), devemos achegar a 10,9 bilhões de pessoas até o final deste século, ou seja, crescimento futuro de 40%.
Por Wiliam Tabchoury*
ARTIGO TÉCNICO
Brasil é o único líder que contribui para atender crescimento da demanda global de carne bovina
Por Wiliam Tabchoury*
A população mundial aumentou mais de quatro vezes durante o século 20 e, segundo previsões da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), devemos achegar a 10,9 bilhões de pessoas até o final deste século, ou seja, crescimento futuro de 40%.
Um dos maiores desafios que surge é a necessidade de termos suficiência na oferta de alimentos saudáveis, produzidos de forma sustentável e, ainda, que permitam o pleno acesso da população, reduzindo aquele que é o efeito mais cruel da desigualdade social da humanidade: a fome!
Neste cenário, a proteína animal ocupa papel de destaque, seja pelo elevado valor nutricional e alimentar e, ainda, por estar presente na dieta da maioria da população mundial, historicamente e de forma progressiva. Ela é composta por carnes de vários tipos, lácteos, ovos e pescado, dentre outros.
Prova disso é que são produzidas 346 milhões de toneladas de carnes no planeta ao ano, incluindo frangos (37%), suínos (35%), bovinos (21%), ovinos e caprinos (4%) e outras espécies (3%), provenientes de gansos, patos e animais de caças em geral (essa estatística não inclui pescado). A primeira boa notícia é que o homem produz hoje quase a totalidade das carnes que consome.
Ao longo de duas décadas, a produção de carnes cresceu 46% (+110 milhões de toneladas) contra crescimento de apenas 24% da população, aumentando a oferta e o acesso, o que permitiu a elevação de 16% no consumo per capita, que saiu de 37 kg e foi para 43 kg, melhorando a saúde e o bem estar das pessoas.
O aumento no consumo de 6 kg por habitante/ano ficou distribuído, basicamente, em 2/3 de frangos e 1/3 de suínos. Houve pequena queda no consumo per capita de carne bovina e o das demais espécies praticamente se manteve estável. Para esses segmentos, houve aumento nos volumes consumidos para atender o crescimento populacional.
Várias razões são responsáveis pelo maior crescimento da produção de frangos e suínos, quando comparada à de bovinos, entre eles menores ciclos produtivo e reprodutivo, maior prolificidade, maior capacidade de alojamento, menor preço de venda e menor necessidade de área, dentre outros.
Esse novo cenário gerou mudanças profundas na estrutura e na participação da carne bovina na matriz mundial de produção de proteínas animais. A primeira delas é que o crescimento da produção tem sido inferior ao da população. Entre 2000 a 2018, por exemplo, a produção cresceu 22% contra 24% da população, o que encolheu em 3% o consumo per capita global.
Como a criação de bovinos se torna mais sustentável e econômica com o maior uso de fibras na alimentação dos animais, especialmente proveniente de pastagens, ela vem mudando sua geografia, crescendo significativamente a produção nos trópicos, com destaque especial para o Brasil, que concentra o maior diferencial competitivo do mundo neste segmento: maior rebanho bovino, clima favorável, vasta área territorial, segurança institucional, tradição, tecnologia e eficiência na produção.
Além disso, outras mudanças importantes ocorreram nas principais regiões produtoras e consumidoras de carne bovina do planeta. Nos EUA, por exemplo, que eram os principais produtores em 2000, com 20% do total, a produção se mantém mais ou menos a mesma, com queda de 15% no consumo per capita (redução de 6,4 kg por habitante, volume superior ao consumo atual chinês que é de 5,8 kg por habitante). Como a população local também cresceu 15%, o volume do mercado interno se manteve o mesmo ao longo de duas décadas, algo atípico na maior economia do mundo, especialmente pelo fato de que há relação direta entre aumento de renda da população e incremento do consumo de proteínas animais, especialmente de carne bovina. Dessa forma, o mercado interno absorveu o equivalente ao que foi produzido no país. Com isso, a participação norte-americana na produção mundial caiu para 17%, em 2018.
Na Europa e na Rússia, a situação foi ainda mais grave: queda na produção, no consumo per capita e no volume do mercado como um todo, tornando-se importadores líquidos de carne bovina, ou seja, com crescimento do déficit entre a produção e o consumo interno.
Argentina, Oceania e Índia andaram de lado na produção, com crescimento inferior à média mundial. Todos eles tiveram redução de consumo per capita e do volume demandado internamente. Com isso, aumentaram os volumes adicionais excedentes para exportações. Destaque especial para a Índia que, em função de ter reduzido em praticamente 50% o volume total consumido, gerou grande excedente para exportação, fato que merece atenção e análise, hoje e no futuro.
Tanto na África como nos demais países que produzem e consomem pouca carne bovina e são importadores líquidos, o aumento da produção não foi suficiente para enfrentar o crescimento do mercado, decorrente do aumento do consumo per capita e do elevado crescimento populacional. Com isso, aumentaram o déficit interno e passaram a importar mais carne bovina de outros países.
Os dois fatos mais emblemáticos no mercado de carne bovina ocorreram no Brasil e na China, que se tornaram os principais parceiros comerciais do planeta. O primeiro aumentou em 50% sua produção, volume bem superior para atender o aumento do consumo per capita (6%) e o crescimento populacional (19%), gerando o maior excedente do mundo para exportação: 2,20 milhões de toneladas, crescimento de 354% em duas décadas. Dessa forma, o país assumiu a liderança na exportação de carne bovina do mundo.
Já a China também fez a lição de casa: crescimento de 25% na produção interna, tornando-se o terceiro maior produtor de carne bovina do planeta, crescimento de 45% no consumo per capita (1,72 kg/habitante por ano), somente 10% na população e aumento de 2,94 milhões de toneladas no mercado interno (59%). Com isso, gerou déficit no seu mercado de carne bovina de 1,46 milhão de toneladas. Esse volume representa 66% do excedente gerado pelo Brasil, que se tornou o único país do mundo com volumes disponíveis para atender esse imenso adicional de demanda do mercado chinês.
Pelas circunstâncias naturais e evolução recente dos fatos, Brasil e China criaram, de maneira rápida e inevitável, a maior parceria comercial do mercado mundial de carne bovina.
Essa realidade tende a continuar por um bom tempo, podendo aumentar ainda mais a sinergia e a relação comercial entre os dois países no futuro. Mantendo-se na China um crescimento superior do consumo quando comparado ao da produção, o déficit de carne bovina poderá aumentar ainda mais, atingindo 2,58 milhões de toneladas em 2032, volume 76% superior ao atual. Além disso, no mundo como um todo, a taxa de crescimento da produção tem sido inferior ao da população, o que pode restringir também a oferta e gerar eventual “déficit” entre a produção e o consumo de carne bovina no planeta, atingindo patamares da magnitude de 0,61 milhões de toneladas em apenas 10 anos.
Por outro lado, o Brasil tem condições plenas para aumentar ainda mais sua produção e o excedente para exportação, atendendo essa demanda crescente e reduzindo os efeitos negativos de uma eventual redução de oferta e até mesmo da “falta” de carne bovina no planeta.
A maneira mais rápida e eficaz para se fazer isso é via crescimento da produtividade da porteira para dentro, com o uso de intensificação no manejo do solo, das pastagens, nutrição e melhoramento genético do rebanho, dentre outros, elevando a capacidade de suporte e reduzindo a idade ao abate.
Com isso, haverá aumento da produção total de carne com liberação de área destinada à pecuária bovina de corte, fato que contribui para a maior preservação dos recursos naturais. Além disso, da porteira para fora, o fortalecimento das relações institucionais entre os parceiros comerciais, bem como o desenvolvimento de um eventual modelo de negócio sob medida, que potencialize de forma bilateral os diferenciais competitivos da pecuária bovina brasileira e as necessidades do mercado chinês, pode acelerar e consolidar ainda mais esse processo.
Mais do que nunca, a palavra de ordem no mercado global deve ser a defesa e o fortalecimento dos interesses convergentes com maior sinergia entre os agentes comerciais, criando negócios duradouros, sustentáveis e rentáveis para ambos os lados. No caso do mercado de carne bovina não é diferente. Brasil e China têm muito mais convergências a ser exploradas do que se imagina. Os maiores ganhadores desse processo serão: a redução da fome, a paz, a proteção dos recursos naturais e, por fim, a segurança alimentar do planeta. As atuais e futuras gerações agradecem!
Wiliam Tabchoury
Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP, especialização em Economia, Administração e Marketing pela EAESP FGV-SP, gerente da Unidade de Bovinos da Auster Nutrição Animal e produtor de bovinos de corte.
Fonte: ZEBU.ORG.BR