Cães e humanos em catástrofes ambientais e em guerras.
Esse mês de maio nos trouxe as imagens catastróficas das chuvas e enchentes no Rio
Grande do Sul. São milhões de pessoas afetadas, milhares de animais domésticos
sobreviventes ou mortos, além de incontáveis animais silvestres, vítimas dessa triste realidade.
Temos acompanhado o resgate de cães, gatos, galinhas, cavalos etc.; companheiros –
em casa, no campo e nas criações – que não possuem a mesma capacidade que temos de
gritar por socorro. Dependem totalmente da nossa caridade para que os salvemos, o que nem
sempre é possível.
Desde janeiro de 2022 vemos notícias da guerra entre Ucrânia e Rússia, bem como o
conflito iniciado em outubro de 2023 na região da Palestina, no Oriente Médio.
Em todos esses episódios observamos um fato cruel, porém necessário, de abandono
de animais; temos aqui um paradoxo, que resulta em situações limítrofes entre a vida e a
morte. A luta pela sobrevivência é uma lei natural – o que não quer dizer que seja tranquila e
agradável. A natureza dos seres vivos exige que lutem com todas suas forças para
sobreviverem às intempéries vividas. E qualquer animal que tiver que escolher entre sua vida e
a do outro, possivelmente optará por se salvar, visto que manter sua própria vida já é, em si,
algo muito difícil. Não desejo explorar o caos, tornando-o um espetáculo de mau gosto e
antiético. O objetivo é repensar a relação entre homem e cão em tragédias sem proporções
como as citadas acima.
Apesar de reportagens mostrarem fatos como o abandono de animais domésticos, o
sofrimento deles, a fuga de pessoas que carregam seus pets durante o exaustivo processo de
saírem de seus lares, a questão da sobrevivência, no seu limite, nos leva a tomar decisões
egoístas.
Imagine uma situação na qual você esteja correndo risco de morte, o que você faz?
Tenta se salvar? Tenta revidar a uma possível agressão? Foge? Paralisa e espera pelo pior? É
complicado julgar as pessoas por decisões tomadas em horas tensas. São escolhas nada
humanitárias, compassivas ou amorosas, mas que se resumem à necessidade instintiva e
primordial de qualquer ser vivo, que é a batalha pela manutenção da vida.
Por outro lado, apesar do terror de tais fatalidades, vemos a dedicação de inúmeras
pessoas em ajudar vítimas e seus animais. Junto com os heróis humanos, há cães de trabalho
que são fundamentais para a localização de vítimas de desastres; dessa parceria humano-cão
floresce a empatia pelo próximo, a compaixão e a fé em um futuro melhor. Enchentes em
Petrópolis/RJ1 (2022) contaram com a ajuda de bombeiros acompanhados de cachorros
farejadores que, sete anos antes, haviam participado de resgates de pessoas após o
rompimento da barragem em Brumadinho/MG.
Todavia, existem cães que nunca foram treinados para trabalhos específicos e que, de
repente, passam a realizar tarefas novas,dentre elas, a localização de minas terrestres
utilizadas em guerras e a busca por vítimas de desastres. No início do conflito entre Rússia e
Ucrânia, em 2022, o Patron (seu nome significa cartucho no idioma local), o corajoso cãozinho
da foto abaixo, colaborou com soldados na localização de artefatos bélicos1, reforçando, assim,
o esquadrão antibomba do exército ucraniano.
Figura 1 – Patron
Um pastor alemão se tornou lendário durante a 2ª Guerra Mundial. Seu nome era
Djulbars, e ajudou na localização de 7.000 minas terrestres e granadas. No desfile da vitória
dos aliados, em 1945, um soldado desfilou com ele no colo.
FIGURA 2 – Djulbars e soldados
Em março de 1944 um cabo do exército americano encontrou uma cachorrinha de
nome Smoky da raça Yorkshire Terrier, na Nova Guiné. O cabo iria vende-la e, foi então que
apareceu o soldado Bill Wynne, que decidiu compra-la para cuidar da nova amiga. Vejam,
abaixo, o fantástico feito dessa cachorrinha:
“Durante os conflitos, vários aviões japoneses atacavam o campo de aviação aliado, no Golfo de
Lingayen, em Luzon. O ataque estava afetando as comunicações e os comandantes americanos
precisavam urgentemente passar linhas telefônicas por um tubo que se estendia por cerca de 21 metros
de profundidade, ligando a base até três esquadrões separados. No entanto, não haviam equipamentos
adequados.
O tubo tinha apenas 20 centímetros de diâmetro, e a única forma de colocar os cabos no lugar seria fazê-
lo manualmente. Com isso, centenas de homens se colocariam em risco cavando trincheiras para colocar
os fios no subsolo, o que os deixaria expostos aos ataques inimigos. Foi então que todas as esperanças
daqueles homens foram depositadas em uma pequena cachorrinha. Bill Wynne se posicionou na outra
extremidade, para encorajar que Smoky atravessasse por todo o caminho, com um fio que levava o cabo
de comunicação preso à coleira.
Smoky conseguiu completar sua missão, sendo responsável por salvar cerca de 250 homens e 40 aviões
naquele dia. Contudo, as façanhas da pequena Yorkshire não pararam por aí. Algum tempo depois, Bill
Wynne pegou dengue e foi enviado para a 233ª Estação Hospitalar, onde ficou internado. Alguns dias
depois, os amigos de exército levaram Smoky para vê-lo; as enfermeiras se encantaram com a
cachorrinha e pediram para leva-la para visitar outros pacientes feridos na invasão da Ilha Biak.
Smoky passou cinco dias no hospital, onde dormia com seu tutor, Wynne, durante à noite e visitava outros
pacientes durante o dia, se tornando assim um dos primeiros cães de terapia da história. Smoky faleceu
alguns anos depois, aos 14 anos, e, em 2005, uma escultura em sua homenagem foi feita, sendo
instalada no mesmo local em que foi enterrada. Bill Wynny veio a falecer em abril de 2021, aos 99 anos. A
história da dupla é contada no ‘Yorkie Doodle Dandy: A Memoir’, livro de autoria do próprio Wynny3.
FIGURA 3 – monumento dedicado à Smoky
Por fim, de todas essas calamidades, só consigo pensar em esperança e gratidão. O
que dizer do cachorro resgatado no Rio Grande do Sul que abraçou a perna da veterinária que
o salvou4? Esperança, de que essas tragédias cessem, de que todos possam retornar aos
seus lares, e gratidão, por todos os homens, mulheres e cães que, diante das dificuldades,
conseguem ajudar o próximo ou demonstrar afeto diante de uma realidade caótica. A felicidade
existe (ainda que muito frágil) no coração das pessoas envolvidas em catástrofes e a
perseverança é a qualidade que denomina todos os animais que lutam pela vida e pela paz.
Até mais!
Bianca
NOTAS:
1 Veja o link para saber mais: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/02/18/conheca-os-caes-de-sc-que-
foram-escalados-para-ajudar-nas-buscas-e-resgate-em-petropolis.ghtml
2 Veja o link para saber mais: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/03/23/cao-ganha-prestigio-na-ucrania-
apos-farejar-mais-de-90-bombas-russas.htm
3 https://canaldopet.ig.com.br/guia-bichos/cachorros/2021-07-17/cachorros-na-historia.html
4 Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=aOHpIssP85g
Figura 1- Patron ama comer queijo e é a "alma da equipe" (foto: Reprodução/ Instagram dsns_ukraine). Leia mais em:
https://www.opovo.com.br/noticias/curiosidades/2022/03/26/cao-farejador-encontra-mais-de-90-explosivos-russos-na-
ucrania.html ©2022 Todos os direitos são reservados ao Portal O POVO, conforme a Lei nº 9.610/98. A publicação,
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Figura 2 – créditos da imagem: https://i.pinimg.com/564x/02/31/78/02317865992869e4a16811a2b9be1c40–german-
shepherd-dogs-german-shepherds.jpg
FIGURA 3 – Créditos da imagem: https://3.bp.blogspot.com/-ZEkX1kgZ43Q/WN-
PcMAA1HI/AAAAAAAAArw/rSR7Qu_ebJ4wlGU8-Ek-a1J52nGinhtXgCEw/s1600/27.jpg
Bianca Souza.