Da recepção à extração de veneno: o caminho das serpentes que chegam ao Butantan.
Quais procedimentos realizam? Como vivem? Conheça o dia a dia das serpentes essenciais para a produção dos soros
Publicado em: 27/06/2022
Todos os anos, cerca de 30 mil acidentes provocados por serpentes peçonhentas acontecem no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Para garantir o tratamento adequado dessas pessoas, o Instituto Butantan produz, anualmente, mais de 150 mil unidades de soros contra toxinas de animais venenosos e bactérias que são disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, a manutenção dos estoques de soro antiofídico se deve às cerca de 1.200 serpentes que vivem no Laboratório de Herpetologia da instituição.
“No geral, esses animais chegam aqui por doação de terceiros e pelas autoridades, como a Polícia Militar Ambiental e o Corpo de Bombeiros”, diz a pesquisadora científica e diretora do laboratório, Kathleen Fernandes Grego. “Se uma pessoa avistar uma serpente na mata, por exemplo, deixe-a seguir o seu caminho, mantendo sempre uma distância segura. Mas se o animal oferecer algum tipo de perigo, principalmente se estiver próximo às residências, o recomendando é acionar os órgãos oficiais e deixar que eles façam o resgate com total segurança”, completa.
A seguir, conheça o caminho e os processos percorridos pelas serpentes que chegam ao instituto até estarem aptas para a extração de veneno.
ETAPA 1: RECEPÇÃO
No Butantan, as serpentes são recebidas na Recepção de Animais, localizada no prédio do Laboratório de Coleções Zoológicas. Lá, é feita a identificação da serpente, assim como um registro do doador. Às sextas, as novatas peçonhentas são encaminhadas ao Laboratório de Herpetologia. O transporte é feito em caixas de madeira apropriadas, garantindo a segurança de todos os envolvidos na operação. Já as serpentes não peçonhentas seguem para outras áreas do Butantan, como o Museu Biológico e diferentes laboratórios de pesquisa, ou instituições externas autorizadas pela Secretaria do Meio Ambiente.
ETAPA 2: TRIAGEM
Os animais que chegam nesta fase recebem uma injeção com a primeira dose de vermífugo e um tratamento profilático chamado ectoparasiticida – um banho que elimina parasitas externos que poderiam comprometer a saúde de todas as serpentes do plantel. Em seguida, é feita a escolha dos novos indivíduos do laboratório, baseada no gênero, espécie, sexo e procedência do animal. Isso porque, segundo a pesquisadora, quanto maior a diversidade geográfica das serpentes utilizadas no chamado pool de veneno, melhor será a qualidade do soro.
Nesta etapa, as cobras também têm seu veneno extraído, uma vez que podem contribuir para o soro antiofídico e futuras pesquisas da instituição. Os espécimes que não foram selecionados retornam para a Recepção de Animais e, posteriormente, são transferidos para outras áreas, como acontece com as serpentes não peçonhentas.
ETAPA 3: QUARENTENAS
Depois do estresse da captura, a primeira quarentena funciona como uma pré-adaptação. O objetivo é que o animal retorne ao seu melhor estado. “Nessa fase, segundo o protocolo de vermifugação, eles recebem a segunda dose do anti-parasitário e exames de fezes são feitos regularmente. Também há o acompanhamento da hidratação e da alimentação, individualmente, visando o adequado estado de saúde de cada serpente”, explica o técnico de apoio à pesquisa científica Gianfranco Imperatriz Marino.
Ao término de 30 dias, as serpentes que estão saudáveis e ajustadas à nova rotina passam, em lote, à segunda quarentena, onde ficam em total isolamento por mais um mês. Neste período, nenhuma serpente entra ou sai da sala. Ao final, os animais que estiverem saudáveis e completamente adaptados, enfim, seguem para as salas de produção de veneno. Já as serpentes que ainda demandam cuidados retornam para a primeira quarentena, onde o processo recomeça.
Área suja
O espaço de triagem, assim como as duas salas de quarentena, recebem esse nome por conta do risco de contaminação atrelado às espécies que chegam por ali. Não à toa, uma área onde todas as caixas e acessórios utilizados nessa primeira etapa são lavados e higienizados com hipoclorito de sódio separa esse espaço “sujo” das salas de manutenção das serpentes.
“A lavagem é um pilar importantíssimo da nossa rotina, porque se as caixas não forem lavadas direito levamos doenças para os outros animais do plantel”, reforça Kathleen. Ninguém pode transitar livremente entre as áreas limpa e suja. Ou seja, uma pessoa que for para a área suja não pode mais voltar para a limpa.
ETAPA 4: SALAS DE PRODUÇÃO DE VENENO
São nove espaços dedicados às serpentes peçonhentas. A nova moradia é definida de acordo com o tipo de habitat do animal, uma vez que todas as salas possuem controle de luz, temperatura e umidade para reproduzir as características de um determinado ambiente.
As surucucus, por exemplo, que costumam viver em matas úmidas e fechadas da Amazônia e da Mata Atlântica, onde a luz do sol é difusa por conta das copas das árvores e das folhagens, ficam em um ambiente mais escuro, quente e úmido.
Cada sala possui um técnico responsável por conferir visualmente todos os animais, identificando qualquer necessidade de higienização, troca de água e atendimento veterinário, além de avaliar a temperatura e umidade do ambiente.
Outro detalhe é que cada serpente possui um registro individual. “Essa ficha conta toda a vida dela: quando ela comeu, quando fez a muda (troca de pele), seu peso, quando foi submetida à extração de veneno”, conta Kathleen.
Rotina de extração
Em média, uma cobra passa pelo processo de extração de veneno a cada dois meses. Para evitar deslocamentos e estresses desnecessários, tudo é feito na própria sala das serpentes. O procedimento é rápido e indolor, feito com o animal desacordado. Uma semana depois disso, eles são alimentados.
No geral, as serpentes recebem comida uma vez por mês, com exceção das corais. “Essas comem por três semanas, alternadamente. Depois, descansam por mais duas semanas para, então, realizar a retirada do veneno”, esclarece a pesquisadora científica.
Estrutura completa
Além das áreas de triagem, quarentena e das salas de produção de veneno, o Laboratório de Herpetologia possui uma infraestrutura completa para garantir o bem-estar das suas moradoras. Consultório para a realização de exames e cirurgias, salas para reprodução e um berçário, onde as cobras ficam até completar três anos, integram a planta do laboratório.
Fonte: Portal do Butantan – (Instituto Butantan).