‘Nekonomics’: o poder dos gatos na economia japonesa.
Para chegar a esses treze dígitos, a pesquisa levou em conta gastos com alimentação, produtos essenciais e cuidados veterinários, além de empreendimentos gerados pela paixão japonesa por felinos. Mesmo quem não tem animal de estimação em casa costuma frequentar cafeterias temáticas e pontos turísticos, como as ilhas conhecidas pela concentração de felinos, só para fotografar e tocar nos bichanos.
No Japão, a onomatopeia para o miado é “nyan nyan nyan”, que se parece com o som de “ni” (dois em japonês). A partir do jogo de palavras e por sugestão da indústria de ração, em 1987 ficou estabelecido que 22 de fevereiro seria o Dia do Gato, criando assim mais um motivo para inflar a ‘nekonomics’.
Para muitos japoneses, ignorar o olhar penetrante dos gatos e o seu ronronar é tão difícil quanto resistir aos inúmeros itens dotados de fofura com que a indústria de felinos costuma abastecer as prateleiras nessa época do ano.
De acordo com a Japan Pet Food Association, a popularidade dos gatos segue tendência crescente há mais de duas décadas. A pandemia só fez esse interesse aumentar ainda mais quando as pessoas se viram obrigadas a ficar isoladas em casa.
O professor Miyamoto multiplicou esse contingente pela média mensal de 8.460 ienes (R$ 325) estimada como gastos com alimentação e cuidados básicos de um animal, e chegou ao total anual de 911,58 bilhões de ienes.
A esse valor ele adicionou o efeito cascata de toda a cadeia e o que foi gerado pelo turismo doméstico felino, e o total foi de 2 trilhões de ienes.
A título de comparação, a ‘nekonomics’ em 2021 é um pouco superior ao que foi gasto para a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio 2020 (estimados em 1,69 trilhão de ienes).
O professor Miyamoto lembra que para cuidar de um gato pequeno o custo é relativamente baixo para uma família, porém para o Japão significa muito. “Em outras palavras, o acúmulo de pequenas quantias por cada família contribui para a economia japonesa, é a força motriz que move o todo”, afirma em entrevista à BBC News Brasil.
A Japan Pet Food Association lembra que as pessoas viveram a ansiedade e situações de estresse por terem sido obrigadas a abrir mão dos passeios e a permanecer e trabalhar em casa por um longo período. Por meio da convivência com animais de estimação, elas buscam tranquilidade e melhoram a comunicação dentro de sua família.
A flexibilização das medidas de combate ao coronavírus e os recentes aumentos de preço de uma série de produtos e da tarifa de energia no país devem impactar na ‘nekonomics’, porém é cedo para afirmar quanto será menor.
O que não dá para ignorar é que sempre haverá um número crescente de apaixonados por animais de estimação no Japão. Cão ou gato, a escolha vai depender muito do espaço e do tempo disponível para os cuidados.
Gatos abandonados
No estudo, Miyamoto lista uma série de fatores para os japoneses preferirem os felinos. Cada vez mais pessoas se mudam para apartamentos urbanos que, além de apertados, geralmente não permitem cães – mas podem ignorar a presença de gatos, que também são mais fáceis de manter e requerem menos atenção, como ter que ser levados para passear.
Porém, nem todo felino é bem-vindo ou bem acolhido. De acordo com levantamento feito pelo Ministério do Meio Ambiente do Japão, no ano fiscal de 2020, o número de gatos retirados dos donos para serem colocados para adoção chegou a cerca de 10 mil.
A NPO TNR Felinos Japan, criada por Elen Tanaka e Cássio Silva, em Iwata (província de Shizuoka), serve como termômetro dessa situação de abandono. O casal de brasileiros tem constatado aumento de colônias de felinos, inclusive com presença de animais domesticados ao lado dos tradicionais gatos de rua.
Passado o clima de empolgação inicial, muitas pessoas estariam abrindo mão do bichano ao constatarem que cuidar de um animal – mesmo um filhotinho de gato – dá trabalho e custa dinheiro. Acabam por abandonar os animais, e a conta acaba sendo transferida para quem se dedica a dar abrigo aos animais.
Cássio diz que os gastos da NPO aumentaram muito. Atualmente, ele e a esposa pagam 130 mil ienes (R$ 5 mil) de aluguel de dois imóveis: um serve como moradia do casal e em outro ficam 100 gatos que foram resgatados, castrados e são cuidados por ambos enquanto aguardam adoção.
O aluguel é a parte menor das despesas com essa grande família de felinos. Além de absorver o salário de Cássio como operário em uma fábrica de autopeças, a NPO consome todo o tempo da esposa Elen para cuidados, pois muitos animais chegam debilitados da rua.
São cerca de 680 mil ienes (cerca de R$ 26 mil) de gasto mensal que precisa ser coberto com malabarismo, campanhas e a boa vontade dos amigos e apoiadores da causa. “Quando deixei o Brasil 22 anos atrás, eu disse que era para trabalhar e juntar dinheiro no Japão. Mas juntamos gatos! Hoje, são eles que dão sentido à nossa vida”, diz Cássio.
Para quem pretende compartilhar do mesmo sentimento, não basta gostar para ficar com os animais recolhidos pela NPO. Se o local onde reside não permitir presença de animais, a adoção é negada. Há ainda um termo de compromisso e inúmeros procedimentos implantados como forma de evitar a devolução ou novo abandono do animal.
Conrado Areco Borelli passou na seleção e conseguiu adotar Tigrão e Pompom. A família cuida atualmente de três felinos, com os quais gasta em média 20 mil ienes (R$ 770) em ração, areia e produtos de limpeza. Quando precisa levar os bichanos ao veterinário, o valor dobra.
Mais do que os gastos extras com cuidados médicos, o aluguel é o que mais incomoda o brasileiro. Muitos donos de imóveis passaram a ser flexíveis à presença de animais, porém cobram um pouco mais por isso. “Mas vale cada centavo ter os nossos gatos conosco, vivendo em tranquilidade.”
A empresa de finanças R&C Co. entrevistou 3 mil donos de gatos no final de dezembro de 2022 e concluiu que o custo médio para cuidar de um animal é de 2,64 milhões ienes (cerca de R$ 101 mil) ao longo de 15,6 anos de vida (média estimada pela Japan Pet Food Association).
“Com esta pesquisa, queremos ajudar a reduzir o número de gatos abandonados por razões financeiras. Sabendo com antecedência dos gastos futuros, as pessoas poderão decidir conscientemente ter ou não o animal.”
Na opinião de Sumirê Shimizu, o que mais impacta a ‘nekonomics’ nem é tanto a posse do animal. Existe uma indústria em torno que se aproveita dessa paixão incondicional, e lucra com isso, acredita a brasileira.
Desde o Brasil, Sumirê gostava de cachorro de porte grande, mas na impossibilidade de tê-los em seu apartamento em Tóquio, acabou adotando Harumaki e Dorayaki, dois gatos que ela batizou com nome de comida japonesa.
Acredita-se que os primeiros gatos tenham chegado no Japão trazidos da China durante o período Nara (Século 8) para caçar ratos. A partir do período Heian (séculos 8 ao 12) passaram a ser considerados animais de estimação, sendo retratados em obras de ukiyo-e e clássicos da literatura japonesa, como o romance “Eu sou um gato”, do escritor Natsume Soseki.
Na mesma época chegaram os cachorros, sendo os primeiros da raça Chin, trazidos como um presente dos governantes da Coreia. Devido ao seu pequeno porte e temperamento amável, logo se tornaram animais da casa.
Embora venham perdendo espaço físico nas casas para os gatos, os cães ainda são venerados pelo passado glorioso (como visto na estátua ao lado do último samurai Saigo Takamori) ou pela notável lealdade demonstrada por Hachiko, o cão imortalizado no cinema e em bronze esculpido na estação de trem de Shibuya, em Tóquio. Nesse mesmo local, o animal esperou mais de nove anos após a morte de seu dono.
O japonês Yoichiro Matsushita não se impressiona com essas características caninas. Sua paixão são os gatos, com sua natureza rebelde e independente. “Também não tenho o fardo de passear com eles”, acrescenta.
O primeiro que chegou à casa de Matsushita era um gato abandonado que a esposa encontrou na frente da loja de um conhecido, 40 anos atrás. Depois disso, cada vez que um morria, alguém trazia um substituto.
Atualmente ele cuida de Lara e Kiki, que chegaram ainda filhotes e são reconhecidos como membros da família – “e não pedem roupa e nem preciso levá-los à escola”. Matsushita costuma dormir e conversar com os seus bichanos, embora reconheça que nem sempre dá muito bem.
Fonte: BBC News Brasil.