O ácaro da pandemia: aumento de picadas pelo piolho-de-pombo pode ser uma decorrência do isolamento social.

O ácaro da pandemia: aumento de picadas pelo piolho-de-pombo pode ser uma decorrência do isolamento social.

Em estudo publicado na revista Parasitology Research, pesquisador do Butantan descreve novos casos de picadas pelo ácaro Ornithonyssus bursa

Publicado em: 24/11/2022

Quando se pensa em ácaros, geralmente imagina-se seres microscópicos que infestam camas e lençóis e se alimentam de células mortas da nossa pele. Mas nem todos os ácaros se nutrem com matéria orgânica morta. Existem alguns que são hematófagos, ou seja, alimentam-se de sangue, e podem transmitir patógenos. Recentemente, pesquisadores detectaram uma ampliação dos casos de dermatites causadas por um desses ácaros, da espécie Ornithonyssus bursa, popularmente conhecida como piolho-de-pombo – e a pandemia de Covid-19 pode ter tido um papel importante nisso.

É o que sugere o biólogo Fernando de Castro Jacinavicius, do Instituto Butantan. Segundo ele, durante a pandemia houve um aumento no número de pessoas que procuraram o Butantan e trouxeram espécimes de ácaros capturados a partir de infestações que aconteceram em suas residências. “Uma explicação plausível para o aumento nos casos deriva do isolamento social, que obrigou as pessoas a permanecerem em casa, aumentando assim o risco de exposição de humanos aos ácaros”, diz o cientista.

Em um estudo publicado na revista Parasitology Research, Fernando descreveu cinco relatos de casos de picadas em humanos pela espécie O. bursa a partir de material recebido pelo Laboratório de Coleções Zoológicas do Butantan. Este ácaro é parasita de ao menos 30 espécies de aves, entre elas os pombos. Picadas acidentais em humanos ocorrem principalmente quando ninhos de aves abandonados estão próximos às casas ou quando as pessoas manuseiam aves parasitadas.

Os ácaros possuem cinco fases evolutivas: ovo, larva, protoninfa, deutoninfa e adulto, sendo as três últimas hematófagas. Um ácaro adulto fêmea é maior que o macho, podendo ter até 1 mm de comprimento. Sua coloração varia de amarelado para vermelho escuro após ingestão de sangue.

Pombas no sítio

Um dos casos relatados no estudo ocorreu com uma família de 10 pessoas, que se isolou por alguns meses em uma casa de campo em Piedade (SP). Durante o isolamento, os membros da família sofreram inúmeras picadas. Nesse caso, o hospedeiro do ácaro eram pombas que construíram seus ninhos no forro do telhado da casa.

Poucos dias após a chegada, a família observou que as aves abandonaram seus ninhos. Logo em seguida, os indivíduos sentiram ácaros andando em sua pele e foram picados, causando lesões vermelhas com coceira intensa. As picadas ocorreram nas costas, pernas, cinturas e braços, sempre à noite, enquanto descansavam nas camas e no sofá. As lesões resultaram em grandes áreas inflamadas na pele com duração aproximada de sete dias. Os pacientes utilizaram corticoide tópico para aliviar o prurido.

Os ácaros foram eliminados do ambiente por meio de limpeza diária com aspirador de pó e lavagem das paredes e pisos com água e sabão ao longo de uma semana inteira. Cerca de 200 espécimes de O. bursa foram coletados por um membro da família em março de 2021 e encaminhados ao Butantan.

Apartamento infestado

Outro caso ocorreu em julho de 2021, em Jaboticabal (SP). Uma mulher que mora em um apartamento relatou várias picadas avermelhadas no tórax e no abdômen, que apresentavam leve prurido. Três dias depois, sentiu uma intensificação das lesões durante a noite, enquanto dormia.

Na manhã seguinte, ela foi ao pronto-socorro da cidade, onde recebeu uma injeção de anti-histamínico para aliviar a intensidade da coceira. Após duas semanas de tratamento, a coceira diminuiu e as picadas cicatrizaram, mas deixaram marcas no peito e nos braços.

A mulher não conseguiu recolher os ácaros, mas pouco antes dos primeiros sintomas, um funcionário da universidade onde ela trabalha capturou um ninho de pombos infestado com o O. bursa e o embalou em um saco plástico. Acredita-se que esses ácaros possam ter escapado da sacola e entrado em contato com os pertences da mulher, sendo levados para o seu apartamento.

 

Biologia dos ácaros

Os cinco casos ocorreram no Sudeste, sendo quatro em São Paulo e um no Espírito Santo. As regiões Sul e Sudeste são as que apresentam a maior frequência de interações entre ácaros e humanos. A frequência é menor na região Nordeste, com apenas dois registros até o momento, mas isso pode ser apenas resultado da subnotificação.

“Esses relatos de casos nos ajudaram a conhecer a biologia e o comportamento de O. bursa, a distribuição precisa da espécie no Brasil e as suas associações com diferentes grupos de aves, como os pombos e os sanhaçu-verde”, afirma Fernando.

A história do “piolho” de mentira

Apesar do apelido de piolho-de-pombos, ácaros como O. bursa não são piolhos, que são insetos. Os ácaros são artrópodes, parentes próximos dos carrapatos e membros do mesmo grupo das aranhas e escorpiões. A ciência já descreveu mais de 32 mil espécies de ácaros, mas os acarologistas estimam que ainda existam entre meio milhão e um milhão de espécies de ácaros para serem descritas.

A origem dos ácaros é muito antiga: mais de 350 milhões de anos atrás. No período Devoniano, quando os continentes eram habitados por insetos e bactérias, os primeiros ancestrais dos vertebrados terrestres iniciavam a sua marcha longa para sair dos oceanos e colonizar as terras, assumindo a forma de anfíbios, répteis, mamíferos e aves. Naquela época, o grupo de ácaros ao qual pertence O. bursa pegou uma carona na evolução dos vertebrados terrestres e começou a se alimentar de sangue, o que faz até hoje.

Este texto é uma colaboração do jornalista científico Peter Moon para o portal do Butantan

Fonte: Portal do Butantan.

Dr. Fabio Stevanato

Médico Veterinário, Empresário e Escritor - CEO e Autor ImpulsoVet.