Quatro novos relatórios destacam a importância do microbioma para a segurança alimentar, solos e nutrição.
Especialistas da FAO pedem uma investigação mais sistemática dos ecossistemas dinâmicos que afetam a saúde humana, a segurança alimentar e a saúde do planeta
Roma – Todos os dados empíricos sugerem que o microbioma, conceito emergente que se refere aos complexos ecossistemas formados por bactérias e outros microrganismos, é extremamente valioso para explicar questões relacionadas à saúde dos seres humanos, das plantas e do planeta.
Com o objetivo de contribuir com o debate científico, estimular e orientar novos debates nesse sentido, especialistas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) produziram quatro novas publicações, uma delas voltada para a saúde do solo e três análises científicas sobre como os resíduos de microplásticos, pesticidas e medicamentos veterinários podem afetar a segurança de nosso suprimento de alimentos.
“Revisões relacionadas a pesticidas e drogas veterinárias, bem como microplásticos, demonstram que, do ponto de vista metodológico, ainda há muito a ser feito para fortalecer e sistematizar a forma como a pesquisa é estruturada para que esse promissor campo possa ser integrado efetivamente na forma como nós definimos nossos padrões alimentares”, disse a Sra. Catherine Bessy, Oficial Sênior de Segurança Alimentar da FAO.
De um modo geral, um microbioma consiste em uma comunidade de bactérias, fungos, archaea e outros microrganismos e seu “teatro de operações”, que inclui interações entre si e com seus respectivos ambientes. Os microbiomas existem em todos os ecossistemas e em plantas, animais, solos, florestas, oceanos e, principalmente, nos humanos. Os microbiomas variam enormemente de um para outro em sua composição e funções, bem como no espaço e no tempo. No entanto, a pesquisa, auxiliada pelos avanços tecnológicos no sequenciamento genômico, aponta para certos padrões amplos que podem estar correlacionados com a saúde ou disfunção de seus hospedeiros e dos ecossistemas que habitam. Um crescente corpo de dados empíricos sugere que o microbioma intestinal pode estar relacionado a muitas consequências nutricionais e de saúde, incluindo nanismo, obesidade e sobrepeso, funções cognitivas e funções imunológicas, entre outras.
É difícil estabelecer uma causalidade, principalmente porque muitos domínios e funções da microbiota em um determinado habitat ou intestino ainda são desconhecidos. Uma ideia comum que emerge dos novos relatórios da FAO é que a pesquisa relacionada ao microbioma requer uma estrutura mais harmonizada.
As revisões recomendam a organização de uma série de reuniões com avaliadores de risco e especialistas multidisciplinares em microbioma para chegar a um consenso sobre as definições, bem como estabelecer padrões para pesquisa e identificar lacunas de conhecimento, disse Carmen Díaz-Amigo, especialista em segurança alimentar da FAO, que contribuiu para a preparação das revisões.
Resíduos de pesticida
Embora a FAO, trabalhando em conjunto com a Organização Mundial da Saúde, tenha realizado um extenso trabalho normativo sobre os riscos que os resíduos de pesticidas representam para a saúde humana e agrícola nos últimos 60 anos, pouco se sabe sobre os efeitos da exposição a longo prazo a níveis de doses mais baixas no microbioma intestinal e na saúde.
Os especialistas da FAO conduziram uma revisão sistemática de trabalhos científicos recentes sobre esse tópico, intitulada The impact of pesticide residues on the gut microbiome and human health (O impacto dos resíduos de pesticidas no microbioma intestinal e na saúde humana).
Até agora, apenas alguns pesticidas foram incluídos na pesquisa do microbioma, com a maioria dos estudos direcionados a ingredientes controversos, como glifosato e clorpirifós, que são o foco de grandes seções do relatório da FAO.
Embora a exposição a pesticidas em modelos de roedores tenha causado alterações no microbioma intestinal e na homeostase dos animais, a demonstração de causalidade até agora foi limitada, muitas vezes devido ao desenho dos experimentos. Uma das razões é que existem aspectos essenciais do microbioma que ainda não entendemos ou desconhecemos. Milhares de espécies microbianas recentemente identificadas ainda não têm nomes, e as vias metabólicas da maior parte do que é encontrado nos metagenomas fecais, uma ferramenta empírica crucial, permanecem desconhecidas. Além disso, até agora, pouca atenção foi dada a como microrganismos não bacterianos, como vírus, são afetados pela exposição a pesticidas ou como eles contribuem para as interações entre o microbioma e o hospedeiro.
Definir o que constitui um microbioma saudável seria um bom avanço, embora apresente suas dificuldades, pois é moldado a partir de múltiplos fatores, como hábitos alimentares e condições ambientais.
Para focar a atenção no microbioma, é necessário expandir a análise além dos ingredientes de pesticidas para considerar outros coformulantes incluídos em produtos comerciais, bem como o impacto de efeitos cumulativos e combinados em casos de uso, como o uso comum de pesticidas diferentes na mesma cultura.
Microplásticos
As partículas microplásticas são contaminantes onipresentes cujos efeitos potenciais nos microbiomas intestinais ainda não foram suficientemente estudados, embora algumas pesquisas tenham sido realizadas em animais aquáticos e tenham demonstrado afetar as comunidades microbianas do solo de maneiras que podem, em algum momento, afetar cadeias alimentares inteiras. Também é preocupante o fato de que minúsculas partículas de plástico podem absorver outros contaminantes em sua superfície e abrigar biofilmes, que atuam como portadores de vetores de patógenos e resistência antimicrobiana.
Na publicação The impact of microplastics on the gut microbiome and health – A food safety perspective (O impacto dos microplásticos no microbioma intestinal e na saúde da perspectiva da segurança alimentar), os especialistas da FAO observam que os dados científicos deste campo ainda são incipientes, apontando lacunas de conhecimento e indicando o tipo de pesquisa necessária para contribuir com avaliações de risco e decisões regulatórias mais fortes.
Resíduos de medicamentos veterinários
Estudos determinaram que cerca de dois terços dos produtos farmacêuticos ingeridos por via oral para humanos são metabolizados por pelo menos uma cepa de bactérias intestinais e que a taxa de transferência de genes na microbiota intestinal é 25 vezes maior do que em outros ambientes.
Por esta razão, os medicamentos possuem um interesse especial. No entanto, o escopo da maioria dos estudos que avaliam seus efeitos é clínico, o que é inadequado para avaliar os efeitos dos resíduos de medicamentos veterinários, que podem se acumular devido à exposição crônica a níveis muito superiores, inferiores aos utilizados em tratamentos preventivos ou terapêuticos.
Na publicação The impact of veterinary drug residues on the gut microbiome and human health (O impacto dos resíduos de medicamentos veterinários no microbioma intestinal e na saúde humana), os especialistas da FAO descrevem maneiras pelas quais pesquisas futuras podem ser feitas de forma mais sistemática, enfatizando que são necessários mais estudos longitudinais e uma definição e validação de biomarcadores relacionados ao microbioma, bem como já que é necessário focar a atenção na determinação da causalidade, entre outras questões.
Solos
Em outro estudo, publicado na Nature Communications, o Sr. Ronald Vargas, especialista em solos da FAO e secretário da Aliança Global pelos Solos, pede o reconhecimento concreto de que os microbiomas do solo precisam ser explicitamente considerados para atingir os objetivos da abordagem “Uma Saúde”.
Os microbiomas saudáveis do solo são um importante fator de apoio à segurança alimentar global. Aqueles com baixa diversidade, no entanto, têm sido associados à transferência do agente causador da febre tifoide para plantas, frutas comestíveis e sementes.
Os microbiomas do solo são complexos de entender, pois enquanto os microbiomas intestinais são hospedados por organismos biológicos específicos, como pessoas, cuja saúde pode ser monitorada, o solo é um habitat para muitas microbiotas que atuam como um continuum de funções, respostas e resiliência em interação.
O Sr. Vargas e seus co-autores propõem um roteiro de cinco etapas para incluir os microbiomas do solo noa abordagem de “Uma saúde”. Crucialmente, uma rede de centros de conhecimento é essencial para coletar, armazenar e integrar dados sobre o microbioma do solo, incluindo dados relacionados a patógenos humanos, contaminantes e resistência antimicrobiana. A Aliança Global pelos Solos, sediada pela FAO, poderia atuar como a espinha dorsal desses centros e, entre outras tarefas, poderia ajudar a reunir os conjuntos de dados atualmente fragmentados gerados por um enorme aumento na última década.
Fonte: FAO.